Apresentação


O ano de 2020 não foi fácil para ninguém, e, consequentemente, não houve quem passasse ileso por tantos percalços, nem mesmo a pesquisa científica e o mercado editorial. Certamente ninguém imaginava tantos transtornos quando, na virada de 2019 para 2020, vivenciou suas festas comemorativas, ceou com familiares ou amigos, estourou champagnes, pulou sete ondas, realizou as típicas promessas de réveillon. O ano de 2020 foi uma surpresa para todos. 

Acontecimentos da véspera do réveillon e do início do novo ano sinalizavam que 2020 seria um ano diferente, isto porque, em uma assustadora cronologia: em 30 de dezembro de 2019 foi notificado para a Organização Mundial de Saúde (OMS) uma sequência de casos de “pneumonia de causa desconhecida” na China; em 3 de janeiro de 2020 a OMS confirmou a doença; em 5 de janeiro a OMS apresentou seu primeiro boletim epidemiológico. E assim foi indo até que em 20 de janeiro de 2020 a OMS já falava em necessidade de alinhamento da estratégia internacional de resposta ao Coronavírus, em 22 de janeiro o órgão decretava Nível de Alerta 1 para o mundo, em 27 do mesmo mês a OMS alterou o alerta internacional para Nível 2 (perigo iminente), em 28 elevou para alerta de alto risco, e finalmente em 30 de janeiro de 2020 a OMS declarou Emergência Internacional.

Neste contexto, em 11 de março de 2020 a Organização Mundial de Saúde declarou estado de pandemia mundial por Sars-CoV-2 (ou Covid-19), e, seguindo essa linha, em 13 de março o Ministério da Saúde do Brasil decretou “Quarentena Nacional”, regulamentando critérios de isolamento e outros procedimentos que deveriam ser aplicados por autoridades sanitárias, governadores e prefeitos. Assim, aulas foram canceladas, comércios foram fechados, medidas de segurança foram adotadas (com distanciamento social, uso de máscaras etc.), e todos tivemos que aprender muitas coisas novas, nos distanciar uns dos outros, rever planos, engavetar sonhos, e, essencialmente, mudar projetos.

Foi exatamente assim que este projeto de livro se viu na mesma situação que muitos: teve que ver seus planos revistos, foi temporariamente engavetado, e terminou por ver o tempo passar e muitas realidades serem alteradas. Deste modo, todo trabalho de pesquisa realizado em 2019 não pôde ser editado e publicado logo no primeiro semestre de 2020, ficando um tempinho nas gavetas do desejo, mas o anseio para levar todas as informações colhidas nunca esvaziou e agora finalmente o sonho vira realidade com a publicação deste trabalho.

A verdade é que este tempo na gaveta durante o ano de 2020 foi apenas mais uma parte de uma longa história iniciada em 2013 com a publicação de um artigo, ficando em germinação desde então, passando por novas pesquisa e artigos, e, finalmente, ganhando corpo a partir de pesquisas mais extensas, focadas e concretas iniciadas em março de 2019 e concluídas em dezembro de 2019.

Entretanto, sendo este um trabalho de pesquisa que é essencialmente histórico, com comparações temporais entre teoria e prática, e com objetivo principal de realizar uma leitura e alcançar alguma compreensão acerca da legislação consumerista brasileira e da atuação do Estado na tutela dos direitos dos consumidores (especialmente através das agências reguladoras), este tempo na gaveta durante 2020 não afeta o propósito principal do trabalho.

 Em verdade, a importância deste estudo está pautada em evidências de que tanto o Estado brasileiro como o exercício das competências regulatórias praticados por órgãos públicos e privados, da administração direta e indireta, afetam diretamente a vida dos cidadãos brasileiros, essencialmente dos consumidores, de modo que as preocupações consumeristas e os direitos dos consumidores passam a representar relevante papel na tomada de decisões dos governos municipais, estaduais e federal.

 Por este motivo, no desenvolvimento deste trabalho buscou-se ampliar ao máximo seu objeto, realizando um levantamento temporal sobre a importância dos aspectos consumeristas na história mundial, uma análise sobre o nascimento e fortalecimento das legislações consumeristas no mundo e no Brasil, uma verificação sobre os pilares sociais e políticos para o nascimento de um código de defesa do consumidor brasileiro, uma averiguação sobre os principais pontos estabelecidos pela (e a partir da) legislação consumerista de nosso país, e, entre outros, uma observação dos cenários políticos e econômicos vigentes no Brasil tanto no período que antecedeu como no período posterior à promulgação do Código de Defesa do Consumidor, a legislação consumerista complementar, e a implementação das agências reguladoras, inclusive com uma análise dos presidentes eleitos a partir da década de 1980 em sua relação com o tema.

Ainda visando uma ampla pesquisa, buscou-se conhecer todas as agências reguladoras existentes no Brasil, sua história, seus planos e programas, sua atuação efetiva, sua relação com o respectivo mercado regulado e principalmente com os consumidores deste mercado e com os cidadãos brasileiros, entre outros aspectos. Na mesma senda, foram buscadas informações referentes aos mercados regulados através dos relatórios produzidos pelas agências reguladoras, mas também através de outros órgãos e institutos que atuam na defesa e proteção dos consumidores, entre eles o Procon, o Idec, o portal Reclame Aqui, e a plataforma Consumidor.gov.br. 

Por fim, com objetivo de alcançar uma análise concreta sobre a atuação do Estado (ou seja, do Governo Federal) na tutela dos direitos dos consumidores, e especialmente com a finalidade de compreender o conhecimento e percepção da população brasileira acerca da atuação das agências reguladoras, foi realizada uma pesquisa empírica por meio da aplicação de um questionário (entrevista), aplicado em nível nacional, com questões objetivas que visavam averiguar o conhecimento e confiança dos respondentes nos órgãos regulatórios e no seu papel de agente moderador entre o mercado, os consumidores e a população brasileira.

Ressalta-se, no entanto, que esta tarefa de desenvolver este trabalho não foi uma tarefa fácil, pois, afinal, houve dificuldade para localizar boas bibliografias sobre o tema (que ainda são poucas), para conseguir informações com o(s) objeto(s) de pesquisa (especialmente as agências reguladoras), para realizar entrevistas em nível nacional com uma quantidade diversificada e satisfatória de pessoas (com objetivo de averiguar a percepção da população sobre a área pesquisada) etc., e até na academia foram enfrentadas barreiras, empecilhos e dificuldades para organização e desenvolvimento deste trabalho.

Porém, suplantado todo tempo de germinação, contornados todos os entraves e empecilhos, superado quase um ano de dedicação e investimento intelectual e pessoal, ultrapassado um período de verdadeiro stress para conclusão deste trabalho, e depois de mais um tempo engavetado em detrimento do Covid-19, eis que finalmente esta obra está concluída, desejando ser mais uma que vem acrescentar informações relevantes para a melhoria do Direito, da política brasileira, e, entre outros, que seja contribuição para as lutas pelas causas consumeristas em nosso país bem como instrumento para todos os indivíduos e órgãos interessados no assunto.

É claro que não dá para negar que no ano de 2020 – quando o trabalho ficou temporariamente engavetado – muitas coisas aconteceram, cenários foram alterados, algumas Leis foram revogadas, outras alteradas, novos dispositivos legais foram publicados, muitas mudanças ocorreram na atuação das agências reguladores e organizações que atuam na defesa dos interesses dos consumidores etc. A pergunta que fica é: Tais mudanças ocorridas em 2020 mudam o cenário relativo à atuação do Estado brasileiro na tutela dos direitos dos consumidores? Como o Governo Federal atuou em 2020 em relação às agências reguladoras e suas diretorias com mandatos encerrados neste ano? Como os órgãos de regulação e outros órgãos públicos de fiscalização agiram no ano de 2020? Como agiram as agências reguladoras principalmente em relação à pandemia de Coronavírus? O governo tem agido de forma positiva na proteção e defesa dos consumidores e cidadãos brasileiros?

Com certeza é necessária uma atualização deste trabalho após este longo período aguardando na gaveta a possibilidade de publicação, e, seguramente, visando uma atualização de toda pesquisa desenvolvida anteriormente, serão acrescidas informações e reflexões referentes ao ano de 2020 junto às análises temporais e políticas, no desenvolver de capítulos específicos, bem como ao final deste trabalho.

Há, certamente, muitas dúvidas para serem sanadas, e, nesse contexto, há apenas uma única forma de verificar se será possível extingui-las: ler todo livro! Boa leitura!

Fernando Cantelmo